
Uma moça parou ao lado do rapaz e, ele vendo que ela se equilibrava com dificuldades, ofereceu-lhe o lugar. Ela tinha um olhar triste e apagado. E ela o ignorou, seja por receio de alguma cantada indesejada ou trauma pelas notícias de violência cotidiana. Ele ainda insistiu e pediu para que ela deixasse uma ou todas as sacolas pesadas que segurava com uma das mãos, enquanto a outra tentava se agarrar nas curvas fechadas que o ônibus fazia. Novamente ela o ignorou e inclusive avançou para a porta de saída, descendo no próximo ponto. Pela pressa, o rapaz pensou que aquele nem era o ponto dela. Quando o ônibus saiu do ponto, ele ainda a acompanhou com os olhos, parada no ponto, com o mesmo olhar triste e apagado que estava dentro do veículo.
No mesmo local que ela desceu, tinha um jardim muito bem cuidado, com um canteiro de flores que contrastava com aquela manhã comum. Eram tantas flores, mas tantas flores, que as cores chegavam a hipnotizar, parecendo que um jarro de água tinha caído sobre uma aquarela, fazendo uma mistura de cores absolutamente incomum de se ver.
Mas a despeito daquela profusão de cores, as pessoas passavam apressadas, sem ao menos olhar para o lado. As pessoas iam e vinham de cabeça baixa e passos largos. E outro ônibus passou, a moça de olhar triste e apagado subiu, as pessoas em frente ao jardim falavam alto e gesticulando com seus celulares e os carros cruzavam apressados a rua. Apenas uma borboleta flutuava sobre o jardim de flores coloridas. E ela voou dali para um hospital na quadra seguinte.
Entrou por uma janela entreaberta e dançou por alguns momentos por um quarto. No quarto estavam três pessoas, pai, mãe e filho. O filho estava fazendo alguns curativos na perna. Tombo de bicicleta. Uma enfermeira entrou com um estojinho de primeiros socorros começou o rápido procedimento. A borboleta que saiu do jardim multicolorido insistia em mostrar um pouco de cor naquele ambiente verde frio. Não perceberam ou se perceberam, não deram a mínima. E ela saiu pela janela entreaberta e foi pousar numa árvore que tinha do outro lado da rua. Ficou bem em cima de um velhinho com um violão que libertava melodias de músicas conhecidas.
As pessoas, ora com seus fones de ouvido, ora com suas discussões intermináveis ao celular, nem percebiam o som que saia do violão já bem judiado pelo tempo. Indiferente à percepção ignorante dos passantes, o velhinho continuou com a sua música até o final da tarde. E o sol se pôs e a noite caiu e o rapaz, as flores, a borboleta e o velhinho do violão, sumiram.
Em algum local, desses que a nossa percepção apressada e desviada pelo bombardeio de estímulos não consegue sequer saber da existência, acontece uma conversa absolutamente absurda: um rapaz, centenas de flores, uma borboleta e um velhinho, todos prestam contas do que teria sido o dia.
Lembram daquela moça triste? Hoje tentei abordá-la, conversar um pouco. Ela nem ao menos olhou pra mim.
As flores emendaram: e nós? Como alguém consegue passar indiferente a essas cores? Um dia todo e nenhuma pessoa sequer virou a cabeça para olhar.
A borboleta também se juntou ao coro de descontentes: entrei em um hospital para tentar quebrar o gelo e a preocupação em torno de um pequeno machucado. Sem sucesso.
O velhinho do violão também não trazia boas noticias: toquei as melodias mais lindas que conheço. Nada. Nem um olhar de aprovação ou ciência de que eu estava ali. Todos, absolutamente todos, zumbis de si mesmo.
E assim, essa reunião se deu por encerrada. Todos descontentes e sem a missão cumprida.

Como voltarão? E quem é que sabe como a felicidade vem nos encontrar?
Por: Dona Oncinha
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